Williams é o jogador basco mais importante do Athletic Club de Bilbao. Não só por suas qualidades técnicas e pelos gols importantes que marcou recentemente, mas também porque Williams foi o primeiro jogador negro a marcar um gol em mais de 100 anos de história do clube.
Para entender como isso aconteceu é preciso voltar no século XIX, antes mesmo da fundação do próprio Athletic Club, quando o nacionalismo basco estava se formando. O grande responsável por encabeçar o projeto político-nacionalista de construir um País Basco foi o político e escritor Sabino Arana (1865–1903). Influenciado pelos movimentos nacionalistas românticos do XIX, Arana publicou o livro Bizkaya por su independencia, em 1892.
Em seu livro, Arana pedia o retorno dos direitos forais (os fueros), isto é, uma forma de autonomia política e econômica da região em relação à Coroa de Castela
Em 1895, Arana fundou o Partido Nacionalista Vasco (PNV), que até hoje é um dos partidos mais fortes da região. O Athletic Club foi fundado anos depois, em 1898, por um grupo de britânicos e por parte da elite local de Bilbao. Apesar da forte influência britânica, a identificação do clube com a cidade, — e consequentemente com a região basca –, se deu logo nos primeiros anos, tanto que o nome popular do clube é até hoje Athletic de Bilbao.
Na fase de consolidação do futebol no País Basco, que no ano de 1911, o Athletic Club alterou a sua política de contratação e passou a aceitar apenas jogadores de origem basca. Todavia, foi só em 1919 que a equipe do Athletic Club se tornou exclusivamente basca, acompanhando uma política que já era adotada em outros clubes da região. Para o clube, um jogador só seria considerado basco se tivesse nascido e crescido no País Basco. Além disso, os quatro avós tinham de ter sobrenomes bascos. E essa política impediu que jogadores negros pudessem jogar pelo time, por simplesmente nao ter origem Basca, que em grande maioria era branca.
Ainda nos anos 1950, o clube contratou um jogador negro: Miguel Jones. Nascido na Guiné Equatorial, mas tendo vivido desde pequeno no País Basco, o jogador foi dispensado sem nunca atuar pelo clube. Anos depois, Miguel Jones teria negado que o racismo foi a principal barreira para jogar pelo Athletic Club.
Na década de 1990, o Athletic Club quase contratou Benjamín Zarandona. Nascido em Valladolid, mas com pai basco e mãe da Guiné Equatorial, a contratação do meio-campista foi barrada pelos sócios, que usaram o seu local de nascimento como argumento para isso. Anos depois, o jogador disse que a cor de sua pele foi um fator determinante para a sua não contratação.
Iñaki Williams é fruto da globalização da qual o futebol não está alheio, muito menos o Athletic Club com a sua política de contratação. Nascido em 1994, filho de pais ganeses, Williams começou a jogar futebol pelo clube Natación Pamplona. Em poucos anos foi incorporado às categorias de base do Athletic Club. O atacante, veloz e habilidoso, foi o primeiro negro a marcar um gol para o clube basco, em 2015. Mas toda a sua trajetória até chegar ao time principal também foi uma luta contra o racismo.
A torcida do Athletic Bilbao, em sua maioria formada por torcedores que apoiaram o separatismo basco — e outros ainda pertencem à izquierda abertzale (esquerda patriótica) –, recebeu Williams de braços abertos. Todavia, torcedores rivais acusaram o clube de não estar contratando um jogador basco simplesmente por Williams ser negro. O discurso racista partiu de uma minoria de torcedores da Real Sociedad, insinuando que um negro não poderia ser basco. Uma clara demonstração de xenofobia e racismo.
Esse mesmo discurso racista encontrou voz nas arquibancadas de outras equipes espanholas. Ainda em 2016, Williams sofreu insultos racistas por parte de torcedores do Sporting de Gijón. Em janeiro de 2020, em um jogo contra o RCD Espanyol, Williams foi novamente vítima de insultos racistas. Nos dois casos, a Liga Nacional de Futebol Profissional não tomou nenhuma grande atitude contra os atos racistas sofridos por Williams.
Como todo nacionalismo, o basco tem bases xenófobas e pode esconder um discurso racista. Entretanto, o Athletic Club percebeu as mudanças do tempo e se adaptou. O clube soube absorver a diversidade imposta pela globalização e, sem abrir mão dos seus princípios, — e de seu nacionalismo historicamente enraizado –, incorporou Williams ao elenco. Hoje, ele é o jogador basco mais importante do futebol espanhol. Como o próprio Iñaki Williams diz: “¡Yo soy negro, pero también soy vasco!”.